Empreender Saúde entrevista o diretor médico da Telelaudo, Dr. Felipe Morais

 Em Telelaudo, Telerradiologia

 

– Bem, boa noite a todos, eu sou Fernando Cembranelli do Empreender Saúde da Live Healthcare Media. Queria dar as boas vindas ao Felipe Morais, cofundador da Telelaudo, que vai estar com a gente hoje. Bem vindo, Felipe, vamos ter um ótimo programa.

– Obrigado. Boa noite, Fernando.

– Boa noite, Felipe. Conta um pouquinho da sua história, da sua trajetória, como radiologista até o momento de abrir a empresa.

– Eu acho que eu fui fazer medicina para ser radiologista, porque eu sou filho de radiologista, minha mãe é ultrassonografista e também trabalha com meu pai e eu vivi muito a radiologia desde pequeno. A gente brinca que, quando eu pegava (as chapas de) Raios X para ver o eclipse, dava uma olhadinha na imagem para ir me acostumando a ver alguma coisa. Então, assim, desde muito novo eu entendi o que era a radiologia, sabia como funcionava, queria fazer aquilo. Acho que a gente passa por um momento de questionamento, se é aquilo mesmo, se a gente vai seguir os mesmos passos dos pais, mas eu decidi fazer radiologia, só que eu sempre quis dentro de mim fazer alguma coisa diferente para que eu não ficasse à sombra do meu pai. Meu pai tem um serviço no interior do Estado do Rio, onde eu nasci numa cidade próxima. Então, ao mesmo tempo que eu queria ser radiologista também, eu não queria ser só um cara que trabalhava com o pai. Eu sempre busquei ver algumas coisas, eu gostava de ciência. Fiz a faculdade e a residência na UFRJ, me via muito como professor universitário, eu gostava de ciência, gostava de inovação, pelo lado médico, de tecnologias novas, sequências novas de exame. Então, assim, eu me envolvia muito com isso e eu tinha a minha vida prevista muito tempo para a frente. No meu R1, antes de surgir a ideia da Telelaudo, já escrevi o meu projeto de mestrado, que depois foi até um projeto que a minha esposa, que na época era a minha namorada, tocou. Eu planejava muito a vida e me tornar empreendedor me fez mudar um pouco. Eu era um cara que gostava de ter tudo organizado 10 anos para a frente da minha vida, pelo menos na minha cabeça, e eu passei a dormir e não saber como seria o dia de amanhã, no começo, quando a gente está começando a ser empreendedor. E, depois, quando a gente entende como funciona, as coisas voltam para os eixos um pouco, mas, até me tornar empreendedor, eu era um cara que estava seguindo um caminho para ser cientista, médico, professor universitário – era o que eu gostava de fazer na época.

– Como que foi a percepção da oportunidade? Quer dizer, você ser empreendedor de radiologia não é fácil: ou você tem muito capital ou você busca um financiamento, e a telerradiologia é um campo novo, sem muita regulamentação – imagino que quando você começou ainda menos. Então, como foi a percepção dessa oportunidade?

– Eu comecei a sentir uma necessidade. Antes de entender como se organiza a oportunidade para construir o negócio, eu sabia que no interior faltava médico porque eu via meu pai sofrendo. Até a gente começar a ajudar ele, ele mesmo ficava de sobreaviso no serviço dele. Tinha dificuldade de comprar equipamento, de contratar gente, crescer, abrir unidades novas, era sempre uma grande dificuldade. Eu vindo para fazer a faculdade e depois a residência aqui no Rio, eu via no R1 que você passava no corredor e via cada vez mais anúncio querendo contratar gente para levar para o interior a peso de ouro, cada vez mais um staff, que eram os coordenadores de serviços, chamando um residente às vezes antes mesmo de terminar para ajudar, às vezes para trabalhar junto no plantão porque estava com muito movimento. Então, a gente via o mercado cada vez mais aquecido de radiologistas, “n” radiologistas muito bons nos centros formadores e um mercado que estava cada vez mais apto para contratação fora dos grandes centros. E, depois, estudando melhor o mercado, a gente olhou para os Estados Unidos, e vimos que lá já era uma realidade: já em 2008, 2007, 50% das unidades de saúde dos Estados Unidos usavam a telerradiologia de alguma forma. Então, um país grande de dimensões continentais com uma velocidade de crescimento do parque instalado de equipamentos maior do que a capacidade dos centros acadêmicos de formar mão de obra; uma realidade heterogênea; métodos novos que os radiologistas mais antigos muitas vezes não estão habituados a elaborar o laudo; ou então os radiologistas que foram para o interior se afastaram e estão sozinhos, têm dificuldades para ir a congressos, para se atualizar, para tirar férias; um mercado que todo radiologista sabe, todo mundo pergunta “você não quer trabalhar comigo?”. O mercado está aquecido.  Além disso, falar de um crescimento da economia agora [em 2015] às vezes parece até um pouco estranho, mas a gente passou alguns anos de crescimento da economia, com a população ganhando acesso à saúde. O principal gasto da população é com a saúde, alguns estudos mostram que é a maior preocupação. Então, a gente chega num estágio onde a situação está criada e a gente precisava equalizar a oferta e a demanda. E a telerradiologia nada mais é do que isso: você equilibrar a oferta e demanda através da otimização do trabalho de profissionais numa plataforma na internet onde você recebe imagens e atende elaborando os laudos.

– Perfeito. Como foi esse primeiro passo? Começou com alto investimento, baixo investimento? Era simplesmente o tempo de vocês, radiologistas, e da equipe? Como que foi esse começo?

– É, o meu sócio era residente comigo, o Felipe Nirenberg, fundador junto comigo, e a gente conversava muito e nessas nossas conversas que surgiu a ideia da Telelaudo. E, na época dos nossos pais, dois ou três colegas que eram um pouquinho empreendedores juntavam dinheiro, compravam um equipamento de Raios-X e começavam a trabalhar e a vida seguia. Hoje em dia, são investimentos da ordem de milhões de dólares para você comprar os equipamentos. É difícil conseguir convênio, é difícil brigar com as grandes redes que já estão estabelecidas, pelo menos nas grandes cidades. O radiologista com apetite empreendedor é muito tolido hoje em dia, não tem muito espaço para ele. E aí, quando a gente foi para a telerradiologia, a gente viu um cenário diferente: não tinha uma necessidade tão grande de capital porque, no momento que a gente usou a plataforma As a Service não existia nada no Brasil que a gente pudesse usar, e nós decidimos não desenvolver a plataforma, o que foi uma decisão extremamente acertada. Tem um outro fundador, porque somos três na verdade, e o terceiro é o Alexandre Ribenboim, que é engenheiro de computação, que já tem um passado de empreendedorismo e decidiu tocar essa ideia com a gente. Ele falou: “olha, não dá para desenvolver, a gente não sabe direito o que a gente precisa, está criando o mercado, vamos ver se a gente consegue encontrar uma plataforma pronta”. Nós olhamos no Brasil e não encontramos nada, nos Estados Unidos nós começamos a conversa com três empresas. Duas delas eram as duas maiores empresas de telerradiologia e acabamos seguindo com a segunda maior, que é a Virtual Radiologic. Depois, ela acabou comprando a maior e, hoje em dia, ela é uma empresa enorme nos Estados Unidos. Mas, de qualquer forma, nós contratamos a solução que eles tinham nos Estados Unidos, que eles serviam para grupos de radiologistas. Nos Estados Unidos, a radiologia funciona da seguinte forma: os radiologistas criam empresas e essas empresas de radiologistas assinam contratos com hospitais e esses radiologistas atendem hospitais, eles se deslocam entre esses serviços. E a Virtual Radiologic fazia um sistema para esses radiologistas poderem elaborar os laudos de casa desses hospitais que eles gerenciavam, então a gente usou exatamente essa plataforma, trouxe para o Brasil e a gente aprendeu a fazer telerradiologia com eles. Até hoje eu converso com eles e falo: “a gente aprendeu a fazer telerradiologia com vocês”, e usou como serviço. Então, a gente tinha uma plataforma, era um canhão que a gente estava usando para matar formiga na época. Estávamos começando a atender telerradiologia e aprendendo as coisas, mas tínhamos uma solução ótima, super bem construída e fomos crescendo com isso. Você, quando está num modelo de negócio que é pouco CAPEX e mais OPEX, acaba tendo uma necessidade de capital menos intensiva. Então, a gente não precisou de muito capital no começo exatamente por causa disso. Na época, já existia esse conceito, mas hoje em dia já é sedimentado que soluções As a Service são soluções que permitem que as empresas se instalem de maneira muito rápida e um lema que a gente sempre teve, que o Alexandre ensinou para a gente, é: “Primeiro a receita e depois a despesa”. Então, a gente seguiu esse lema bastante: primeiro foi correr para atender as clínicas e hospitais, foi correr para atender as necessidades dos clientes, para depois começarmos a fazer investimentos que não eram essenciais para atendê-los.

– Perfeito, bem interessante. E os primeiros clientes, foram difíceis de conseguir? Quer dizer, o primeiro eu sei que foi o seu pai.

– Meu pai esperava que eu voltasse para ajudar ele na clínica porque eu acabei montando uma empresa de telerradiologia e eu não voltei para o interior e o primeiro cliente foi justamente ele porque a gente ajudou ele e o sócio dele a saírem do sobreaviso noturno que eles tinham. Então, como a gente já tinha essa demanda reprimida de radiologia, na hora que a gente explicava isso para os primeiros clientes, já fazia muito sentido, mas, ao mesmo tempo, existia uma barreira cultural muito grande. Muitas vezes, o radiologista é o medico mais experiente do plantão, ele é um médico que terminou a residência, já tem alguns anos de trabalho, tem um conhecimento muito grande e, às vezes, a gente vê médicos recém-formados na emergência que vão até o radiologista para tirar dúvida, questionar alguma coisa; o dono da clínica sempre gostou de ter o radiologista ali perto, de conhecê-lo como pessoa, de olhar o detalhe do que ele fala, o seu comportamento. Na verdade, é uma quebra de paradigma no momento que a gente se predispôs a atender os pacientes a distância através de telerradiologia. Então, o maior desafio quando a gente começou a vender não foi provar o valor da solução, o valor da solução estava muito claro para o nosso possível cliente, para o nosso prospect. A grande dificuldade foi realmente fazer essa mudança de paradigma, essa mudança de cultura, fazer o prospect entender que aquilo que era valioso, que estava claro que era valioso, não ia ser um risco, não ia cair o céu nele porque o médico está distante. Também existia alguma limitação, alguns desafios em relação à infraestrutura de internet na época. A gente está falando de 2007, 2008, 2009. A gente começou a trabalhar e, nessa época, a internet de alta velocidade estava um pouco mais restrita aos grandes centros, a gente tinha dificuldade. A gente começou a tatear, existia uma demanda grande, e a gente conhecia muita gente, o meu pai é radiologista, o pai do Nirenberg era radiologista, então a gente tinha muitos amigos, colegas, e fomos conversando, ligando e a pessoas foram recebendo a gente como dois jovens, tentando fazer uma coisa legal, inovadora. A gente era jovem e estava fazendo uma coisa ligada à internet – isso também ajudava, as pessoas estavam interessadas em novidades, então a gente foi provando o valor e aí começou a ter os casos de sucesso para a gente poder relatar a melhoria, aí isso foi fazendo com que tudo fosse mais fácil e o mercado foi caminhando.

– Em termos de geografia, vocês começaram a ter clientes no Brasil inteiro ou foi no eixo Rio-São Paulo?

– É engraçado, a Telelaudo já começou abrangendo uma geografia grande. Uma coisa que a gente sempre viu é que, sendo a telerradiologia um negócio no qual as margens não são altas, se a gente fosse investir muito para viajar para conseguir vender, talvez matássemos a margem dos clientes. Então, a gente acabou tendo a necessidade de trabalhar a distancia e a necessidade de vender a distancia. Com isso, a gente criou processos na empresa que hoje em dia são muito legais: a gente consegue ter um processo de venda a distância muito legal, às vezes a gente só vai conhecer o cliente quando ele vai no nosso stand na JPR; o processo de implantação; suporte,  a própria empresa tem um modelo bem flexível de gestão onde as pessoas conseguem trabalhar a distância, então a gente acabou conseguindo crescer, atender gente longe, desde o começo.

– Fantástico. Você poderia explicar um pouco o papel de cada um dos sócios na empresa e como vocês acabaram se complementando? Porque eu acho que isso é um dos grandes fatores de sucesso nas empresas, quando a sociedade é complementar.

– É verdade, é exatamente isso que você falou. Hoje em dia, algumas pessoas me procuram, porque você acaba virando um pára-raio de empreendedor, você começa a conhecer gente, fazer as coisas, e as pessoas vão até você para tirar dúvidas. Então, hoje em dia, algumas pessoas me procuram e é exatamente isso que eu falo: você tem que procurar pessoas que vão complementar você; muitas vezes não é o seu melhor amigo, não é o cara que você gosta de sair para jogar bola, o cara que você gosta de sair para tomar um chope, mas é uma pessoa que vai ter um grupo de conhecimento, uma personalidade que é complementar à sua. Então, desde o início, a ideia começou comigo e com o Felipe Nirenberg, a gente era residente, eu estava no primeiro ano e ele, no segundo, a gente decidiu investir no negócio, construir uma empresa, procurou um mentor aqui no Rio de Janeiro, que é fundador do Instituto Gênesis, o instituto de empreendedorismo aqui da PUC-Rio, Prof. César Salim. Nós procuramos o Salim, conversamos com ele e ele falou “isso é um negócio, mas vocês precisam de uma complementação, vocês são dois médicos, vocês não tem tanto conhecimento em tecnologia (na época, a gente não tinha) e em business. Vocês podem adquirir isso, mas vocês vão levar tempo até se formar, então eu sugiro que vocês procurem um terceiro sócio fundador. Eu tenho algumas pessoas que eu posso indicar para conversar com vocês e a gente marca uma conversa mais pra frente”. Isso era no final de 2007. Em 02 de janeiro de 2008, a gente marcou uma conversa com o Alexandre Ribenboim lá na casa do Salim. Ele é engenheiro de computação, teve uma empresa na época da bolha da internet e vendia portal para empresas. Então, ele chegava na Petrobras, no Bradesco, no Itaú, e falava “olha, isso é internet, internet serve para você colocar isso, colocar aquilo”. Engraçado falar isso hoje, mas ele vendia isso na época, ele dava palestras explicando o que era a internet, e ele falava que um dia a internet poderia ser usada para um médico dar um laudo a distância. Então, quando a gente chegou com essa ideia para ele, ele fazia essas palestras lá em 94, 95, a gente chegou alguns anos depois com a ideia e ele falou: “eu falava disso no início da internet!”. Então, fez sentido. Ele trouxe também a Casa do Saber, que é aquele instituto cultural aí de São Paulo, ele o trouxe para o Rio e ele estava, no momento, fazendo consultoria, um pouco mais tranquilo, buscando problemas para resolver. Então, a gente apareceu com o desafio da Telelaudo e ele topou entrar com a gente, nós entramos os três na empresa. Eu e o Felipe, na época, éramos muito parecidos, éramos dois radiologistas, e o Alexandre já tinha um background de negócio, tecnologia, o que ajudou muito. Eu costumo falar que ele foi uma aceleradora em forma de pessoa, ele educou a gente, estimulou muito o estudo e o aprendizado. E, ao mesmo tempo, a gente estava muito flexível a passar pela experiência de ser empreendedor, que é uma experiência única, uma jornada única, cada empreendedor vai ter uma história diferente. Apesar de um contar com o outro para servir como um apoio, para poder tirar uma dúvida, é uma trajetória muito única porque você passa por desafios nos quais, muitas vezes, você é a pessoa que vai tomar a decisão, você é a pessoa que vai ter que estudar um tema para tomar uma decisão, para implantar uma estratégia, para implantar um processo, conversar com um cliente, então, muitas vezes, você se sente sozinho. Porém, ao mesmo tempo, ter esses colegas fundadores torna a coisa um pouco menos sofrida. Então, no começo, o Alexandre tinha essa personalidade. Eu e o Felipe, a gente começou a seguir, eu acabei indo um pouco mais para ficar dentro do escritório, eu fiquei cuidando da área médica no começo, e o Felipe Nirenberg foi para a área comercial, o Alexandre não era executivo. Éramos nós dois trabalhando de casa começando a tocar a empresa. Eu brinco que eu acordava com o primeiro cliente reclamando que queria o laudo e ia dormir quando eu não aguentava mais dar laudo. Então, eu fiquei nesse ciclo assim: a gente foi crescendo, contratando gente. Eu cuidei da área médica, eu gosto disso, eu gosto muito de gente, de liderança, eu gosto de estudar tecnologia, também é uma coisa que eu sempre cuidei na empresa, e fui cuidando desse setor na empresa, enquanto o Felipe Nirenberg esteve sempre focado nas vendas. Chegou um momento que a gente estava com um tamanho de empresa que já tinha espaço para o Alexandre entrar, que é um cara mais sênior. Então, ele veio ser executivo com a gente e passou a cuidar da área de marketing, de mídia social, que era um conhecimento que ele já aplicava em consultoria e trouxe muita coisa. Se eu tivesse que falar uma coisa importante que eu acho é que, nessa trajetória de empreendimento, é fundamental, mais do que saber uma coisa, ser capaz e ter interesse de aprender, buscando conhecimento, lendo muito, estudando muito, buscando muita consultoria, muita mentoria, muita gente para tirar dúvidas na amizade ou então pagando, se for o caso, mas é um processo contínuo de aprendizagem. Então, aquilo que eu tinha lá atrás de ser professor, cientista, de estudar, aprender, hoje em dia é um prato cheio na empresa, porque todo dia eu aprendo uma coisa nova. É difícil um dia que passou e foi um dia chato, perdido, não teve muita coisa. Todo dia, eu aprendo alguma coisa: tenho oportunidade de pensar como eu vou falar com alguém, de ler, de escrever um texto mais interessante. Então, é um dia a dia bem legal o dia a dia de empreendedorismo, e eu acho que ter os colegas que se complementam, sócios ou então os colaboradores que vão complementar o seu conhecimento, é um fator fundamental mesmo de sucesso.

– Em que momento que vocês perceberam “nossa, a gente pode realmente estar prestes a construir uma grande empresa”, com todas as denominações que isso pode representar e como é que foi isso?

– Eu acho que isso foi o bom de um dos sócios ser um pouco mais sênior porque eu lembro que eu estava indo para o terceiro ano de residência, e o Felipe Nirenberg tinha terminado a residência dele, e o Alexandre chegou um dia, sentou com a gente e falou “olha só, até então a gente foi tocando, foi estudando mercado, foi seguindo…”.

– Vocês eram residentes então? Quando vocês lançaram, vocês ainda estavam na residência?

– Estávamos. Em 2009, eu era R3 e estava lá, a gente chamou os nossos staffs, os nossos professores, para trabalharem com a gente, eu estava lá de terno na JPR vendendo laudo e eu era residente. A gente não podia perder tempo, o mercado estava verde, não tinha nenhuma empresa prestando serviço profissional, então, assim, a gente não tinha tempo a perder. Então, a gente optou por fazer isso e, em relação a se tornar uma grande empresa, nesse dia o Alexandre virou para gente e falou: “olha, até então, a coisa estava sob controle, a gente ia controlando, a gente ia estudando mercado, conversando com as pessoas. A partir do momento que a gente decidir tocar a empresa, vai ser sério, ser empreendedor é uma dedicação como poucas situações vão exigir da vida de uma pessoa, mas que é uma oportunidade da gente construir uma coisa única, uma coisa grande, que tem grande potencial e a gente decidiu nesse dia “sim, eu quero fazer isso” e a gente decidiu realmente seguir a carreira de empreendedor. É engraçado que, no nosso caso que íamos sair da carreira de médico que estava clara, tudo pronto para seguirmos, as pessoas que cercam o empreendedor tem uma expectativa em relação a você, então quando eu falava “olha, eu não vou ser mais professor universitário, eu vou abrir e tocar uma empresa de telerradiologia”, as pessoas diziam: “que isso? Você está louco? Você vai fazer isso? Ninguém faz isso, como você vai fazer isso?”, você, muitas vezes, passa por um questionamento em relação a sua vida. Na verdade, isso é natural, as pessoas tem expectativas em relação às pessoas que elas gostam, não é uma coisa ruim, uma coisa negativa. Hoje em dia, empreender é muito mais falado no Brasil, mas as pessoas se preocupavam porque, se a gente voltar lá para sete anos atrás, era uma coisa mais rara, ainda mais na área da medicina, então era uma coisa estranha, as pessoas estranhavam. Mas, depois que entendiam que aquilo que a gente estava fazendo era legal, a gente passou anos e anos fazendo um trabalho super interessante, buscando fazer com qualidade, investindo, então, aquela decisão de construir uma empresa grande, de decidir empreender, de construir realmente uma história bonita, uma história legal, passou a fazer sentido para todo mundo e aquelas pessoas que às vezes ficaram um pouco decepcionadas dizendo “eu imaginava que você iria ser meu colega aqui na universidade”, hoje em dia elas vão a encontros e ficam felizes,  ficam alegres pelo que você construiu. Então, acho que é você realmente tomar uma decisão. Precisa de uma tenacidade muito grande para seguir em frente e, tendo conteúdo bom, vontade de construir uma história legal, de aprender e de atender realmente pessoas, o empreendedor sempre está no caminho certo.

– Fantástico. E essa parte de gestão de pessoas? A gente estava conversando antes de começar que, hoje, muitos colaboradores da Telelaudo trabalham remotamente. Como trabalhar remoto funcionou na cultura da empresa?

– O modelo que a gente criou é um modelo super interessante, a gente foi até premiado pelo IT Mídia no final do ano passado por gestão de pessoas, essa gestão de pessoas a distancia. Eu acho que esse modelo é um modelo totalmente revolucionário quando você vai para a medicina. No núcleo da medicina, está o relacionamento médico com o paciente. Meu pai me ensinou que, quando você encontrar com um paciente, deve encostar nele, o paciente gosta que você encoste nele. O meu pai é radiologista, o pessoal brinca que o radiologista gosta de ficar longe dos pacientes, mas meu pai me ensinou isso: “encosta no paciente, bota a mão no ombro dele, seja humano com ele que ele relaxa, vai falar as coisas para você, vai gostar de você atendendo, ter uma boa impressão”. Isso, no cerne da medicina, é uma quebra de paradigma, mas no momento que você tem uma necessidade de ter gente atendendo e paciente que vai deixar de ser atendido se você não usar a telemedicina, isso deixa de ser uma limitação e passa a ser uma grande vantagem. Eu costumo falar sempre que enviar imagem do ponto A para o ponto B e laudo do ponto B para o ponto A é fácil, atender o paciente com qualidade é muito difícil. Então, eu acho que o modelo que a gente criou de gestão é um modelo, no qual, primeiro, você trata as pessoas como adulto. O modelo que você bate ponto, que tem o chefe que tem que estar olhando para a tela do seu computador para ver se você está no Facebook, trancando página, isso é um modelo onde você tem um funcionário, um colaborador que é tratado como se fosse uma criança, um aluno, e a tia, o professor, está ali olhando, brigando com ele, é um modelo que infantiliza os colaboradores em primeiro lugar. Eu acho que essa mudança de geração, todo o aparato tecnológico que a gente tem hoje em dia, a capacidade de medir as coisas, medir as performances, liberam o ser humano para ser tratado como adulto. Então, eu acho que são dois seres humanos que estão alinhados em relação a expectativas, estão alinhados em relação ao que eles precisam fazer um para o outro e em relação à companhia. Eu acho que já está estabelecida uma relação de confiança que abre as portas para a gente seguir um modelo de trabalho a distância. Então, a empresa começou com a gente trabalhando de casa e a gente só foi para o escritório no momento que a gente tinha que contratar alguém. A gente não tinha os processos de trabalho remoto construídos e a gente montou um escritório, mas os radiologistas sempre trabalharam de casa. No começo, a gente viu que isso era uma limitação para o vínculo do radiologista e montou uma unidade de laudo na Zona Sul do Rio de Janeiro e outra unidade de laudo na Zona Oeste, na Barra, construiu duas centrais de laudo, os radiologistas trabalhavam de lá, mas a gente começou a ver que os radiologistas, nos dias que eles não podiam ir lá ou então outros radiologista que estavam entrando e que moravam em outras cidades, trabalhavam tão bem quanto os radiologistas que estava trabalhando nas centrais de laudo. A gente se questionou “será que não valeria a pena desmobilizar essas centrais de laudo e começar a mandar o pessoal para casa?”, a gente começou a fazer isso e começou a dar certo. Existe muito processo de comunicação. Eu acho que o que vence a barreira da distância é a comunicação, além da confiança. Precisa existir fluxos contínuos de comunicação, seja por videoconferência, seja por voz, seja por telefone, mensagem instantânea, agora tem Whatsapp para a gente conversar, Skype, não existem desculpas que uma pessoa consiga usar para que ela não consiga entrar em contato com outra. Sempre dá pra conversar, sempre dá para trocar ideia. E, muitas vezes, se a gente for parar para pensar na radiologia, o que o médico solicitante faz quando ele quer tirar uma dúvida é ligar para a radiologia lá embaixo, no subsolo, ou então no prédio ao lado.  Então, quando a gente está falando de afastar o radiologista, ele já está afastado, muitas vezes, do processo de cuidar do paciente. Eu estou falando fisicamente, mas do processo de cuidado como médico ele tem sempre que estar próximo. E isso a gente sempre bateu na tecla: tem que ligar para o médico assistente para tirar dúvida, tem que ficar disponível. Eu, no começo, quando eu era mais sozinho, cansei de ligar para o paciente no interior do estado, longe, para poder tirar dúvida sobre o quadro clínico dele, mas qual é o problema de você fazer isso com os métodos hoje em dia? Pelo telefone, você liga para ele, liga para o médico solicitante, tira dúvida do que ele quer no laudo. Isso é possível de ser feito. Então, isso tudo a gente foi construindo. Depois, a gente manteve a central de laudo só pro pessoal do atendimento, que funciona 24 por 7 como se fosse uma recepção nossa, então a gente disse “se o radiologista trabalha de casa e funciona bem, esse pessoal que anda um tempão de ônibus, de trem, para se deslocar até o local de trabalho, então às vezes para ele deixar de comer na rua, deixar de gastar uma refeição é uma diferença grande, deixa de ter que se deslocar, pagar um gasto extra além do vale transporte, vale alimentação”. A gente botou o pessoal em casa e funcionou extremamente bem. Melhorou a moral do pessoal, o pessoal trabalha mais. Hoje em dia, a gente já tem estatísticas que mostram que as pessoas chegam a produzir cerca de 15% a mais quando estão em home office. Então, a gente montou realmente todo um modelo legal, que tem todo um embasamento jurídico, a gente fez um estudo jurídico para poder embasar esse relacionamento porque existem gastos que a pessoa vai ter em casa, então a empresa tem que reembolsar e isso tudo é combinado, mas realmente a possibilidade da gente trabalhar a distancia é uma alavanca para a empresa hoje em dia. Só para ilustrar, nós temos uma coordenadora médica, a Mariana, uma ótima coordenadora, que trabalha com a gente sempre perto, ajuda. Ela mora nos Estados Unidos, em Nova Orleans. Ela já está com a gente entrando no segundo ou terceiro ano de coordenação. Ela já está no segundo ano dela nos Estados Unidos, foi fazer um fellow, sempre teve um sonho de fazer o fellow. A gente, de uma maneira adulta, combinou, “você vai fazer o fellow, a gente tem expectativas em relação a você e você vai e a gente vai confiar que você vai fazer o trabalho”. Ela fez super bem e foi convidada para ficar mais um ano como professora visitante. Está lá esse ano na universidade, está passando por uma experiência ótima, ajuda, discute caso com o pessoal lá e trabalha super bem com a gente. E a gente tem o pessoal do atendimento que começou trabalhando do Rio, as pessoas se mudaram, hoje em dia tem uma que está em Salvador, outra foi para Fortaleza, estão trabalhando super bem, com horário, às vezes plantão noturno. As pessoas trabalham super bem de casa. Suporte de TI, todo mundo de casa remoto e funcionando super bem. Além dos radiologistas que já trabalham a distância, tem radiologista brasileiro trabalhando com a gente que está fazendo alguma especialização na Inglaterra, na França, radiologista trabalhando com a gente na Austrália. Não existe muita barreira quando a gente está falando de um serviço que é oferecido através da internet.

– É fantástico. Eu acho que, pelo que você está passando, realmente a Telelaudo é um case muito grande. Uma coisa que eu queria explorar agora é a questão da construção da marca. Eu percebo que, hoje, a Telelaudo não só tem um logo, quer dizer, uma marca forte, mas realmente houve a construção da imagem. Hoje, eu acho que não só na JPR, mas vocês estão presentes em outros eventos e, de uma certa forma, vocês estão conseguindo se consolidar e ter a percepção do mercado de que vocês são uma das empresas líderes do mercado de telerradiologia. Você poderia falar um pouco sobre esse processo?

– Eu acho que a construção da marca, quando você está falando de um serviço médico, como é o serviço que a Telelaudo oferece, é uma construção que leva tempo. Apesar de você olhar para o mercado de telerradiologia e, comparado com os outros mercados, por ser ele muito novo, a gente sabia que só o tempo, o trabalho duro do dia a dia, o posicionamento de você realmente ter uma proposta diferenciada, você fazer um posicionamento onde você é capaz de atender pacientes a distancia, um posicionamento humanizado. Foi isso que a gente buscou construir. No começo, quando a gente lançou, a Telelaudo procurou estar na principal praça que é a Jornada Paulista, isso a gente conseguiu e eu tenho que agradecer o Augusto lá da Livraria de Ciências Médicas, ele ajudou a gente a fazer um lobby com o pessoal da produção, e empurraram o stand 18 e 19 e criaram o 18A para a gente, numa feira que é super concorrida, a gente conseguiu um cantinho lá perto dos pôsteres na JPR e começou lá. Hoje em dia, a gente está numa das ruas principais do evento e foi crescendo, o pessoal da organização também deu muito apoio para a gente. Estar na JPR é um grande investimento. Eu não sei se as pessoas sabem, mas estar na JPR é mais caro do que estar na RSNA – eu não sei com o dólar agora, mas, com o dólar até pouco tempo atrás, era um investimento mais alto do que estar na RSNA, então é um investimento muito importante e a gente sempre fez questão de estar lá porque é realmente a praça da radiologia no Brasil e até na América Latina. Cada vez mais a gente vê gente de fora vindo e buscando se atualizar no mercado. É um grande evento de radiologia na América do Sul. Então, a gente investiu muito na JPR, investiu muito em construir uma marca de longo prazo. Muitas vezes, quando o empreendedor está focado na construção da marca, ele abre mão de determinados ganhos rápidos em nome de um ganho de longo prazo. A gente sempre preferiu construir relacionamentos de longo prazo, construir negócios de longo prazo e optou por não se aventurar muito porque, muitas vezes, o empreendedor tem um anseio muito grande de ver o sonho dele virar realidade, da ideia dele virar um negócio, de crescer rápido, e ele pode acabar optando por seguir caminhos que não são caminhos sustentáveis a longo prazo, então nisso a gente também optou por sempre seguir umas coisas mais certinhas, um jeito certo de fazer as coisas, tudo direito. Eu acho que é uma trajetória dura, mas é uma trajetória que tem que ser seguida. A gente sempre procurou fazer anúncios também, muitas vezes anúncios em revistas, as principais revistas do mercado, fazer o anúncio em mídia social, buscar conteúdo interessante para o mercado. O mercado busca muito, vocês da Empreender Saúde fazem um trabalho muito legal, eu acho que o mercado é muito ávido por conteúdo interessante, você sabe melhor do que eu. Hoje em dia, a gente vive numa sociedade onde a gente está em baixa com um montante de conteúdo, mas de um conteúdo que não é curado, não é trabalhado, é bruto, que vem de qualquer pessoa, um conteúdo que a gente não sabe diferenciar. Quando a gente começa consistentemente não só a produzir, mas  também a divulgar conteúdo que faz diferença para a vida das pessoas, a gente passa a criar realmente uma comunidade em torno da gente. Hoje em dia, a Telelaudo tem isso, a gente tem as nossas comunidades nas mídias sociais, a gente recebe bastante feedback positivo, recebe bastante ideia, recebe críticas, foi muito importante construir isso até hoje em dia a gente chegar na posição que a gente tem de ser uma marca reconhecida.

– Perfeito. Eu queria explorar a questão do crescimento de vocês; certamente, por serem uma empresa que crescem muito ano a ano, eu queria entender um pouco se vocês podem passar a visão do que vocês querem ser nos próximos anos… vocês certamente já atingiram muita coisa, né?

– Apesar da gente já ter crescido muita coisa, eu acredito que tem muito a crescer. A telerradiologia ainda é um mercado muito verde, é um mercado no qual, como eu estava falando, a barreira de entrada é baixa, tecnologicamente você precisa de conexão à internet e soluções tecnológicas simples, que não tem grande eficiência, mas você consegue fazer. E a grande barreira é realmente a execução. É um mercado de barreira de entrada baixa, mas é uma barreira de execução altíssima. Todo dia é um grande desafio continuar fazendo telerradiologia. Então, isso fez com que, logo depois da gente ter lançado a Telelaudo, existiu um boom de empresas de telerradiologia e essas empresas ficaram pelo caminho porque o radiologista acaba optando por seguir um modelo de trabalho um  pouco mais fácil.  Às vezes, eu paro e penso se a minha vida de radiologista iria ser muito mais tranquila do que a minha vida de empreendedor. Certamente. Mas, hoje em dia, o que eu enxergo é eu consigo fazer a diferença na vida de muito mais pessoas do que eu conseguiria se eu fosse só radiologista. Hoje em dia, nós temos 60 radiologistas na equipe e eu sinto como se cada laudo fosse um laudo que eu tivesse elaborado, é a vida de uma pessoa que eu fiz diferença, então isso é um fato muito positivo para a gente. Então, o que eu enxergo para a Telelaudo, o que a gente enxerga para a Telelaudo, é continuar seguindo esse caminho de crescimento no mercado porque tem muita coisa para acontecer ainda. A Telelaudo enxerga que o conhecimento que a gente criou em torno da telerradiologia é um conhecimento que já está maduro e a gente entendeu isso e começa a embarcar esse conhecimento que a gente já tem num sistema de  telerradiologia próprio que a gente vai lançar, é uma novidade para esse ano.

– Vai chamar a gente para o lançamento?

– É, vou chamar, com certeza. Então, a gente está bem feliz nesse momento, está ansioso. É um sistema que embarca o conhecimento do 7º ano praticando a telerradiologia. A gente acredita que a telerradiologia não é nada diferente da radiologia tradicional, ela é um simples passo no processo de cuidado ao paciente, no qual o médico pode estar na sala ao lado, a metros de distância ou a quilômetros de distância. Isso não muda, o que muda é que a gente precisa terminar com determinados gargalos no processo de cuidado. A gente enxerga que o nosso sistema vai conseguir oferecer isso para mais pessoas, então a Telelaudo enxerga o sistema de telerradiologia dela como uma plataforma de telerradiologia que pode ajudar outras pessoa e continuar seguindo esse caminho. É engraçado, ainda tem muita gente, como, por exemplo, um outro empreendedor da área de saúde com quem eu estava conversando agora no evento da Unimed, que pergunta “você, no 7º ano de empresa, ainda evangeliza o seu mercado, você ainda tem que explicar?”. Tenho, sempre. Muito, muito. O conhecimento é muito heterogêneo. O Brasil é gigantesco e muito heterogêneo. Muitas vezes, a gente fica em grandes cidades e centros de excelência e você não tem ideia de como é o país, de como é o conhecimento, de como é a cultura local, o que as pessoas sabem, o que as pessoas fazem, o quanto elas estão adaptadas a receber uma inovação. Então, quando você está num mercado verde, numa coisa muito inovadora, precisa fazer evangelização até sempre. Então, assim, hoje em dia o mercado de radiologia é um mercado muito verde, ainda tem muita gente que tem dúvida se aquilo funciona ou não e agora é o momento onde as coisas estão começando a dar uma aquecida maior, nós já vemos empresas grandes contratando o serviço de telerradiologia. E agora é o momento da gente realmente se focar no que a gente sabe, que é o conhecimento que a gente aplica para a gente elaborar os laudos, entregar os laudos com qualidade, no momento e no lugar que eles precisam ser entregues, e oferecer o know-how que a gente acumulou durante esses anos para construir um mercado de telerradiologia do Brasil em alto nível.

– E agora vamos ver se a Priscila que trabalha conosco tem alguma pergunta.

– Obrigada. Na verdade, não tenho nenhuma questão a princípio. É engraçado, você acabou de comentar que a sua vida acaba sendo muito mais pesada.  Se você tivesse partido para o ramo tradicional da radiologia, você estaria muito mais tranquilo e é engraçado que a sociedade enxerga diferente “ah não, pode fazer laudo lá na praia, ficar lá na rede e a sua vida é muito mais tranquila”. Você é dono do seu próprio negócio e as pessoas não enxergam o trabalho que está por trás disso.

– É, realmente, eu acho que o grande trabalho é pegar uma ideia, transformar uma ideia em valor para a vida das pessoas, que é o trabalho do empreendedor, é uma sina do empreendedor, pegar uma ideia e transformar em melhoria para a vida das pessoas, dá muito trabalho. A radiologia, eu adoro, sempre estive envolvido com a área médica da radiologia, procuro me atualizar, mas empreender é duro, as frustrações que você tem como médico não chegam aos pés das frustrações que você tem como empreendedor quando tem 60 pessoas atendendo milhares de pessoas por semana ou por dia mesmo. Então, assim, a gente amplifica muito a nossa possibilidade de frustração. Durante o aprendizado do empreendedor, o pessoal de vendas trabalha essa frustração de forma muito clara e isso deveria ser transportado para qualquer situação de empreendimento. A grande realidade do empreendedor é celebrar muito os sucessos e entender o fracasso como aprendizado. A gente é uma máquina de fracassar e consegue alcançar algum sucesso na vida e o nosso papel é realmente tirar aprendizado dos fracassos. Uma coisa que eu aplico muito lá, já li algumas vezes essa frase, é que “quem corre rápido, esbarra nas coisas e às vezes quebra as coisas”, porque está correndo rápido, quer fazer as coisas, está procurando estudar, quer avançar. Você vai errar, mas todo erro é uma grande possibilidade de aprendizado, inclusive os erros médicos. No Brasil, é muito difícil falar em erro medico, as pessoas não estão acostumadas com isso, nos Estados Unidos eles estão acostumados a serem medidos, eu sei que eu erro tantas vezes. Lógico que você vai se dedicar sempre a não errar, você vai querer sempre fazer o melhor, mas no momento que você está querendo construir alguma coisa nova, está inteirando o mercado, está experimentando, colhendo informação, implantando, fazendo esse processo, você vai errar, você com certeza vai se frustrar às vezes com esse erro, mas a possibilidade de criar uma coisa nova é realmente uma sensação única.

– Fantástico. Felipe, como vocês veem a questão de novos sócios? Vocês já devem ter sido abordados por vários fundos, por “n” propostas, vocês já aceitaram alguma dessas propostas, se você puder falar? Como você vê essa questão?

– No começo, a gente teve o aporte de uma investidora, que ajudou a gente, que é até uma colega nossa, ela ajudou e a gente recebeu também aporte de fundo de fomento à inovação, FAPERJ, FINEP, sempre a gente conseguiu provar o impacto inovador do nosso serviço e receber fomento através disso, mas o grande financiador da Telelaudo foram os nossos clientes.  Então, lá no começo, com o nosso mantra “primeiro a receita, depois a despesa”, a gente sempre procurou se financiar com os nossos clientes. E sempre fez aquele bootstrap, a gente trabalhava numa salinha lá no começo, uma salinha feinha, era o começo da empresa, era o que a gente conseguia depois da gente sair de casa. A gente melhorou, foi para uma sala maior, mas a gente procura sempre investir o nosso capital para atender o cliente melhor, e não em luxo. Hoje em dia, a gente ainda, quando precisa, pega ônibus em vez de pegar avião porque é mais barato e é um dinheiro que vai sobrar pra gente poder construir a marca e atender o cliente melhor investindo em serviço. Então, são os dois pontos principais do nosso investimento. E isto fez com que a gente conseguisse ter um número de capital menor: usar uma plataforma como serviço (As a Service) para operar e um modelo de negócio que não é tão intensivo no uso de capital, de investimento. A gente conseguiu se financiar com os nossos clientes. A gente conversa muito com fundos, acho que eles tem muito a acrescentar para “n” negócios, são pessoas que passaram por situações semelhantes “n” vezes, já investiram em empresas semelhantes “n” vezes, eu leio blog de pessoas de fundos dos Estados Unidos, são pessoas que tem um conhecimento muito bom, só que na realidade da Telelaudo a gente conseguiu seguir sem precisar de um aporte, então a gente sempre teve aberto a ouvir propostas, a tentar entender como a gente poderia fazer de uma maneira diferente. A gente optou por seguir sem eles por enquanto, mas as portas estão abertas para todo mundo.

– Agora a parte pessoal, como é esse equilíbrio entre o empreendedor e a vida pessoal? Ou a vida pessoal acaba ficando bem empreendedora?

– Eu, por definição de vida, aprendi que enxergar as pessoas separando as duas coisas não é tão legal. Quando você enxerga que a pessoa tem apenas uma vida, em que momentos ela está trabalhando, em que momentos ela está com a família, em que momentos ela está relaxando, em que momentos ela está com amigos, em que momentos ela está viajando, em que momentos ela está chorando porque está com algum problema, isso faz com que seja mais fácil entender o caráter humano dos relacionamentos profissionais. Quando você enxerga uma pessoa que está trabalhando ao seu lado com uma vida única, você enxerga um radiologista que começa a errar mais nos laudos. A gente tem o nosso programa de controle de qualidade dos laudos e você vê que alguém está saindo da curva, e você vai ver, já aconteceu “n” vezes, o radiologista está com um parente doente, o radiologista está doente, o radiologista está separando da esposa, ou a esposa está separando do marido, está com filho com problema, não está indo bem no colégio, não dá pra separar as coisas. Você, enquanto empreendedor, enxerga isso, você passa a entender como uma coisa única. Foi exatamente o que você falou: é vida empreendedora. Estou empreendendo no momento que eu estou lá na empresa, que eu estou com a minha esposa conversando sobre alguma coisa do consultório dela, da carreira dela, estou empreendendo quando eu estou conversando com o meu pai, no momento que eu estou conversando com meus amigos. O importante é você não deixar de ter determinados hábitos que são hábitos extremamente saudáveis. Lógico, todo mundo passa por altos e baixos, eu posso falar, eu já passei por baixos muito baixos na minha vida de empreendedor. Como eu falei, dormia no momento que eu não aguentava mais dar laudo e acordava com o primeiro cliente ligando e reclamando. Então, assim, era uma rotina muito pesada, mas eu acho que são fases de vida que você tem que passar por, mas você sempre tem que buscar o equilíbrio. Por exemplo, você não deve nunca deixar de ter convívio com os amigos. É muito importante, é lógico que você vai deixar de ir em chopes, vai deixar de ir em balada, vai deixar de ir em algumas festas de aniversário por causa de trabalho, mas você nunca deve deixar isso de lado completamente porque os amigos te reenergizam. Você consegue ter um input de casos que são casos que, a princípio, era conversa de amigos mesmo e você consegue às vezes tirar uma solução para um problema que já está há meses na sua frente, você não consegue ter a menor ideia de como vai resolver numa conversa despretensiosa com um amigo, por ele ter arejado a sua cabeça, falado sobre uma outra área, outra indústria que você nunca tinha parado para pensar. Então, se você tem uma vida empreendedora, você vai conseguir buscar, além da energia do convívio com os amigos, ideias. A mesma coisa com a família, você vai às vezes contar uma história pra um familiar e ele vai te dar uma solução que você nunca tinha parado para imaginar. É uma coisa que é muito importante. É muito importante você cuidar da sua saúde, especialmente para o homem jovem que não está nem aí para a saúde. Eu já passei dos 30, já estou seguindo na casa dos 30, eu já começo a ver amigos doentes que não se cuidam, e é muito importante, a gente é humano e não é porque a gente trabalha muito que a gente deixa de ter doença, não é porque a gente é uma pessoa que se dedica muito que a gente está imune às coisas. Então, eu recomendo a todo mundo se preocupar com a saúde, buscar se cuidar, não deixar de fazer os exames porque está enrolado, tem que ter um momento pra você. É fundamental ter hobby, descansar a cabeça, fazer uma coisa que não tem nada a ver no seu dia a dia para poder arejar. Naquele momento que você está caminhando, fazendo um exercício, naquele momento que você está levantando um peso, fazendo uma aula de uma língua que é totalmente diferente do seu dia a dia, você consegue às vezes ter um momento de dolce far niente para poder pensar numa coisa que você não conseguiria de outra forma porque a cabeça da gente acaba funcionando por um padrão. E eu acho que se você quebrar o padrão em outras exposições que sejam a cursos diferentes, a convívio familiar, a conhecimentos novos, essa reorganização de padrão na sua cabeça abre a oportunidade para você pensar, ter ideia, inovar e ser mais criativo. É isso aí que eu acho que é o equilíbrio que as pessoas devem buscar.

– Fantástico. Antes da gente começar as nossas perguntas, a gente estava falando um pouco da solidão empreendedora. Uma das últimas perguntas é: como é que realmente você lida com essa questão da solidão empreendedora? Hoje eu acho que você sente menos, mas como que é isso pra você hoje?

– É, eu ainda tinha a característica de que ia para o restaurante e ficava meia hora olhando o cardápio com dificuldade de decidir qual prato que eu ia escolher. Eu, pessoalmente, já tinha essa característica de ter dificuldade de tomar uma decisão que fosse uma decisão sem retorno. Então, eu acho que esse processo de tomada de decisão do empreendedor, do momento que você sai do caminho dos tijolos dourados para construir a sua própria estrada, você precisa, muitas vezes, tomar determinadas decisões importantes, você tem que experimentar e errar, e conviver com o erro é uma coisa muito difícil, uma vez que a gente não foi treinado para conviver com o erro, a nossa sociedade não ensina isso para a gente, nossas universidades, nossas escolas não ensinam, então, quando você vai para um momento de empreendedorismo, você se expõe muito como indivíduo, você precisa estar aberto a ser um pouco de vidraça e entender que, no momento que quebrou o vidro, a possibilidade de reconstruir o vidro é uma real possibilidade de construir uma coisa melhor do que a que estava antes. Então, essa solidão do empreendedor, de você tomar decisões, muitas vezes decisões sobre a vida de outras pessoas, é muito sobre a solidão do líder também, mesmo o líder que não tem um caminho empreendedor, ele tem uma sensação de solidão muito grande. Eu acho que ela consegue ser contornada em dois caminhos: Primeiro, você tem que criar um método, hoje em dia eu tomo a decisão mais pesada o mais rápido possível porque eu criei um método interno de tomada de decisão. Eu acho que você aprende a confiar um pouco no seu guts, no seu instinto. Você passa a entender melhor como você pensa, como você pesa os valores, confiar um pouco mais no seu taco com o tempo. Ao mesmo tempo que você entende que você pode errar, você também entende que você  já tem uma bagagem que te ajuda a acertar mais, então você acaba tomando decisões rápidas, decisões que são constantemente mais acertadas. Acho que isso vem com o tempo. Além disso, aprende a tomar decisões que são capazes de ter uma segunda chance. Isso é uma coisa que você cria com o tempo. E um outro caminho que também diminui essa solidão empreendedora é realmente você trocar ideia. Eu acho que é fundamental você estar em um ambiente que você tem outros empreendedores, pessoas que são líderes e passam por dificuldades e poder conversar com elas sobre essas questões. Eu, por exemplo, durante bastante tempo, encontrei com meus professores lá da universidade, os meus staffs na residência, que são coordenadores de equipe, que tem um papel de liderança, procuro me encontrar com eles, conversar um pouco sobre o meu dia a dia, procuro me encontrar com outros empreendedores, e você se sente parte de uma família de pessoas que passam por isso. Então, muitas vezes, poder conversar com um mentor, conversar com alguém de alguma incubadora, de alguma aceleradora que você esteja hoje em dia, de algum ambiente, eu acho que isso tudo ajuda você a sentir que, por mais sozinho que você esteja na sua trajetória, todo mundo segue uma trajetória única quando empreende, você também consegue se apoiar em outras realidades, se apoiar em outras opiniões e se sentir um pouco mais energizado para seguir em frente, eu acho que isso é fundamental e quando você está em ambiente que você concentra pessoas que são possíveis colegas, possíveis ombros para você chorar um pouco as suas mágoas, eu acho que faz a coisa um pouco mais fácil.

– Obrigado, Felipe, acho que foi fantástico. Mais um Empreender Saúde ao vivo. Queria agradecer de novo ao Felipe. Priscila, alguma questão final?

– Parabéns pelo sucesso e pela coragem de empreender. A coragem não é só para criar ideias, mas também para mantê-las. Depois de tudo isso que você falou, deve ser muito satisfatório, então, parabéns.

– Obrigado, Priscila. Obrigado, Fernando, pela oportunidade.

– Obrigado, e até a próxima. Obrigado também a quem nos assistiu e assistam depois no nosso canal do Youtube.

 

Entrevista realizada em 18 de março de 2015.

Este texto foi transcrito da entrevista e, em alguns pontos, editado para facilitar a compreensão do leitor.

 

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